AS EXPORTAÇÕES E A REFORMA TRIBUTÁRIA

*Artigo publicado no Jornal O Liberal em 15.09.2019

 

Vários projetos de reforma tributária estão em debate no país, especialmente tratando da unificação dos impostos e contribuições incidentes sobre o consumo. De modo geral, os projetos reconhecem a necessidade de um grande imposto nacional sobre o consumo, com alíquotas uniformes em todo o Brasil, sem possibilidade de isenções e incentivos fiscais e baseados no critério do destino nas operações interestaduais, ou seja, o imposto é devido ao ente (Estado e município) de destino.

Os projetos em debate também reconhecem a imunidade das exportações e a incidência do novo imposto nas importações, apelidado de Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, com o objetivo declarado de torná-lo o mais amplo possível, captando negócios e operações com bens tangíveis (mercadorias) e intangíveis (serviços, direitos). No mesmo sentido, os projetos continuam reconhecendo o direito do exportador à manutenção e ressarcimento dos créditos relativamente às entradas.

No entanto, os projetos de reforma não resolvem o problema dos créditos já registrados pelas empresas exportadoras e até hoje não ressarcidos especialmente pelos Estados, no que toca ao ICMS. Nos diversos debates que participei, há quem sustente, embora não proponha oficialmente, que no futuro tais créditos poderiam ser convertidos em títulos negociáveis no mercado. De uma verdadeira reforma tributária exige-se o reconhecimento expresso do efeito liberatório automático destes créditos acumulados a permitir a sua transferência e imediata utilização, ainda que em parcelas, sob a condição da ulterior verificação pelo Fisco.

Os Estados apresentaram uma proposta de reforma tributária que, em linhas gerais, unifica ICMS e ISS e abre a possibilidade para uma alíquota adicional para a União Federal. Os créditos e débitos serão escriturados por estabelecimento, mas o novo imposto deverá ser apurado e pago de forma centralizada nacionalmente. Nas operações interestaduais vigorará o princípio do destino, ou seja, o imposto pertencerá ao Estado ou Município em que estiver situado o comprador-adquirente.

Preocupados em ser ressarcidos pelas perdas, a proposta dos Estados cria um Fundo de Compensação da Desoneração das Exportações de Produtos Primários e Semielaborados, proporcional à exportação de produtos primários e semielaborados oriundos de cada Estado, cuja fonte de financiamento será uma alíquota adicional do novo imposto, atribuída à União, estranhamente, através de lei estadual.

Contudo, tal como acontece hoje com o ICMS, a proposta silencia quanto à vinculação, ainda que parcial, deste Fundo de Compensação da Desoneração das Exportações com o ressarcimento dos créditos acumulados pelos exportadores, a permitir que continue ficando ao alvedrio das Administrações estaduais, sempre no limite das possibilidades fiscais e financeiras, ressarcir integral e celeremente os exportadores.

A ideia de criação deste Fundo não resolve de forma definitiva e sistemática a injustiça do atual sistema tributário brasileiro com os Estados exportadores e com o setor exportador e deveria ser revista pelo Congresso Nacional.

Com efeito, não é correto, nem justo, que Estados que promovem exportações tenham que depender de Fundos para serem ressarcidos por este esforço em prol da economia do País, ao contrário do que ocorre, e por todas as propostas continuará a ocorrer, com os Estados importadores que recebem na importação o imposto devido na operação.

Se o imposto é regido pelo princípio do destino, este princípio não pode ser aplicado quando se trata de distribuir o imposto dispensado nas exportações, onde o destino está fora das fronteiras nacionais e resta mantida a desoneração. Assim, a operação de exportação embora não gere imposto devido, deve ser tratada como operação tributada (assim como ocorre com a importação) para efeito de distribuição do bolo arrecadado nacionalmente pelo novo imposto.

Pela proposta dos Estados (art. 156-B, parág. único), o produto da arrecadação do imposto será distribuído aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e à União Federal, proporcionalmente ao saldo líquido entre débitos e créditos atribuível a cada ente federado, observado o princípio do destino, nas operações interestaduais.

Observe-se que a regra de distribuição do imposto silencia quanto ao imposto dispensado na operação de exportação. A parte final do dispositivo é expressa em remeter o critério do rateio do imposto apenas às operações interestaduais. Necessária que tal lacuna seja revista.

Se na operação de importação considera-se que ocorre uma operação interna para efeito de definição do ente federado a quem é devido o respectivo imposto, o mesmo raciocínio deve-se aplicar à operação de exportação, isto é, o débito relativo ao imposto dispensado na exportação deve caber ao Estado federado exportador, no rateio geral dos créditos e débitos entre os Estados.

Lembro que a distribuição do novo imposto aos entes federados não ocorre em relação a cada operação em particular realizada no respectivo território, mas tomando em consideração o conjunto de débitos e créditos realizados nos Estados e Municípios, em face da apuração centralizada e recolhimento único.

Vale dizer, uma empresa com estabelecimentos em vários Estados calculará seu imposto por estabelecimento em cada Estado, mas recolherá o imposto centralizadamente, de modo que os débitos de um Estado poderão ser compensados com créditos de outro para efeito de recolhimento final pela empresa. Esta circunstância, no entanto, não influirá no critério de rateio da receita total arrecadada, que considera débitos e créditos gerados em cada Estado.

Assim sendo, a operação de exportação deve ser considerada uma saída tributada, isto é, geradora de um débito, para efeito do cálculo da proporcionalidade entre débitos e créditos que define a distribuição do imposto arrecadado nacionalmente. Na exportação, para efeito de incidência do imposto e de distribuição do bolo arrecadado, ocorre efetivamente o débito do imposto, mas o recolhimento é dispensado por opção de política tributária.

Registro que o direito brasileiro já considera as saídas imunes (não tributadas) como se tributadas fossem para efeito de cálculo do Valor Adicionado Fiscal que define a parcela de ICMS distribuída pelos Estados aos Municípios (Lei Complementar 63/90, art. 3º, parág. 2º. Inciso II). O que ora proponho é apenas que se aplique o mesmo critério na distribuição do novo imposto entre os entes exportadores, até porque é de justiça e coerente com o sistema deste novo imposto.

Adotando-se o critério aqui proposto, torna-se desnecessária a criação de qualquer Fundo de Compensação de Desoneração das Exportações porque os Estados exportadores pela própria sistemática da distribuição do imposto já estarão automaticamente compensados.

Portanto, para que os Estados exportadores sejam tratados com a justiça devida pela Federação basta que a operação de exportação seja considerada como operação interna, portanto tributada e geradora de um débito, para efeito de rateio do bolo nacional arrecadado pelo novo imposto, o que não acontece em nenhum dos projetos de reforma atualmente em debate. O ideal para o setor exportador seria que parcela deste imposto ficasse juridicamente vinculada ao ressarcimento dos créditos acumulados, garantindo, assim, fonte orçamentária para o exercício deste direito.

Deixe um comentário